Em "Unidade Básica" e na vida real, o valor da atenção primária na pandemia

Os personagens da série "Unidade Básica" representam a importância dos profissionais de saúde dedicados à atenção primária (Foto: Pedro Saad/ Divulgação)
A segunda temporada da série "Unidade Básica" (exibida no canal por assinatura Universal TV e disponível também na plataforma de streaming Globosat Play) foi escrita quando só os roteiristas de ficção científica poderiam se interessar em criar a história de um vírus que pararia o mundo.
Os episódios retratam a rotina das equipes de atenção primária (a porta de entrada do Sistema Único de Saúde) na era pré-covid. Não poderia ser diferente.
Um enredo com todos os elementos delineados pela epidemia do novo coronavírus seria uma grande viagem (algo fora do propósito da série), mas a realidade tem se mostrado mais delirante que qualquer ficção.
Apesar de ter sido gravada antes da dramática crise sanitária atual, a série ressalta ingredientes que demonstram o valor da atenção primária no enfrentamento da pandemia.
Criatividade, iniciativa, vínculo com os pacientes, conhecimento do território em que atuam e disposição para as boas brigas são qualidades típicas das equipes que trabalham em milhares de Unidades Básicas de Saúde (UBS) espalhadas pelo Brasil.
São habilidades e comportamentos que aparecem, em diferentes situações, ao longo da saga dos médicos Paulo (Caco Ciocler) e Laura (Ana Petta), da enfermeira Bete (Carlota Joaquina) e do agente comunitário Malaquias (Vinícius de Oliveira).
"Unidade Básica", da produtora Gullane, tem cara e gosto de vida real. Mantém os pés no chão e destaca as vulnerabilidades que a pandemia tem acentuado e jogado no ventilador todos os dias.
Os roteiros da terceira temporada vão incluir histórias dos profissionais que estão no front de combate à pandemia. Não só nos hospitais, como nas unidades básicas do país.

A infectologista Helena Petta e o ator Caco Ciocler nos bastidores das gravações (Foto: Divulgação)
Onde se ganha ou se perde a batalha
No momento em que os brasileiros se preocupam com a atenção hospitalar (se haverá leitos, respiradores ou remédio milagroso para os casos graves de covid-19), assistir à "Unidade Básica" ajuda a entender que a batalha pela vida começa a ser ganha (ou perdida) em uma etapa anterior, ainda na atenção primária.
"A atenção primária está exercendo um papel fundamental nesta pandemia", diz a infectologista Helena Petta, uma das criadoras da série, ao lado da irmã e atriz Ana Petta. As equipes das UBS tentam fazer o isolamento dos casos de pessoas que são grupos de risco, mobilizam a rede de solidariedade e criam iniciativas inovadoras.
"Enquanto o Ministério da Saúde fica nesse troca-troca e não tem política nenhuma, há boas iniciativas nos lugares onde a atenção primária à saúde (APS) é forte", diz Helena. Segundo ela, médicos de família têm ajudado as pessoas a se organizar nos bairros, identificando os mais vulneráveis e tentando conseguir hotéis sociais para quem não tem como se isolar em casa.
"Para quem mora em condições muito ruins, a rua é uma extensão da casa. Não adianta só dizer "fique em casa", afirma a infectologista.
A perda de pacientes por covid-19 tem gerado grande sofrimento entre os profissionais de saúde das UBS. "Não são doentes que eles nunca viram. São pessoas que eles acompanham há 10 anos, conseguiram controlar a pressão, o diabetes, conhecem toda a família e, agora, vêem o paciente morrer de coronavírus", diz.
"Uma amiga está acompanhando, o tempo todo, 20 pacientes sintomáticos pelo WhatsApp para ver se vão piorar, se vão ter falta de ar", diz ela. "Dá aflição perceber que o Brasil poderia estar enfrentando essa pandemia de uma forma muito melhor se toda a estrutura do SUS tivesse sido potencializada nos últimos anos, em vez de ter sido sucateada", afirma.

Foto: Ariela Bueno
Gente que faz acontecer
Apesar das limitações crônicas que enfrentam, profissionais de atenção primária têm adotado ações criativas para enfrentar a pandemia. Algumas delas foram apresentadas na semana passada em uma live transmitida pelo Portal da Inovação na Gestão do SUS. Destaco três dos exemplos citados:
Em Porto Alegre, uma UBS contra as fakenews
No início de março, logo que foram confirmados os primeiros casos positivos de covid-19 na capital gaúcha, os profissionais da unidade de saúde Costa e Silva, no bairro Rubem Berta, perceberam que era preciso melhorar a comunicação com a comunidade.
A forma mais simples e barata que encontraram foi criar o programa "Fica em Casa", produzido e gravado pelos profissionais de saúde e transmitido por aplicativos de celular.
As gravações são feitas, também pelo celular, entre um atendimento e outro. Toda a equipe contribui para a criação dos roteiros. O programa trata de cuidados de saúde e serviços e aborda questões como violência contra a mulher e racismo.
"A gente conseguiu entender a comunidade e ser uma voz de confiança. Há muitas informações chegando, mas é difícil distinguir o que é fakenews", contou a residente Mayara Floss, a idealizadora do projeto.
Em São Paulo, isolamento centralizado em escolas
Vizinha de mansões e prédios de luxo do Morumbi, Paraisópolis é um forte símbolo da desigualdade social. Com uma densidade demográfica de 45 mil pessoas por quilômetro quadrado, a maior do país, a comunidade criou uma estratégia de isolamento.
O Projeto Casulo (organizado por moradores, comerciantes e sociedade civil) promove o isolamento centralizado de pessoas sintomáticas com teste positivo para covid-19 e distribuição de máscaras, álcool gel e material informativo para pessoas com síndrome gripal.
As três UBS da região cobrem quase 80% da população. Os doentes são isolados em duas escolas, que foram adaptadas para ficarem parecidas com casas.
No Rio de Janeiro, a comunidade cancelou bailes funk
Na primeira semana de isolamento social no estado do Rio de Janeiro, a equipe da Clínica da Família Sérgio Vieira de Mello, no bairro Catumbi, na capital, se reuniu com associações de moradores das comunidades do entorno.
Segundo o médico de família e comunidade Rafael Cangemi, houve momentos em que os líderes do tráfico de drogas também participaram. "As comunidades possuem características e comandos com domínios diferentes", diz. Com essas reuniões, os profissionais de saúde conquistaram o apoio dos moradores. Bailes funk foram cancelados porque houve a compreensão de que potencializariam a propagação do vírus.
A cada 48 horas, todos os pacientes atendidos com síndrome gripal recebem uma ligação telefônica. A equipe também procurou os pacientes com doenças crônicas que eram atendidos na unidade e passou a monitorá-los por telefone. Com a ajuda de agentes comunitários, os profissionais de saúde conseguiram identificar mulheres vítimas de violência e criaram um canal de comunicação por aplicativo de celular.
Conte a experiência de sua UBS
Nesta semana, o Ministério da Saúde e a Organização Pan-americana da Saúde da Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS) lançaram um chamado para ouvir as experiências de resposta à pandemia. O objetivo é dar visibilidade e reconhecer iniciativas que respondam às necessidades de saúde dos brasileiros.
Os relatos devem ser enviados até 8 de junho pela plataforma virtual ancorada no Portal da Inovação na Gestão do SUS. O link para participar do APS Forte no SUS – Combate à Pandemia está aqui. Sua história real pode ser capaz de inspirar e transformar.
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