Coronavírus: como hospitais públicos se preparam para encarar o tsunami
Por medo ou por bom senso, muitos brasileiros têm evitado ir aos pronto-socorros quando a queixa pode esperar. Profissionais de saúde acostumados a trabalhar em emergências lotadas ganharam algum fôlego, mas ele deve durar pouco.
"A queda do movimento criou uma falsa ilusão entre os profissionais, mas o que estamos vivendo é um cenário de transição", diz Welfane Cordeiro, coordenador médico do projeto Lean nas Emergências, uma das ações do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (PROADI-SUS), do Ministério da Saúde.
"O mar está recuado, mas um enorme tsunami vem aí", afirma Vânia Bezerra, superintendente de responsabilidade social do Hospital Sírio-Libanês.
Como contrapartida das isenções fiscais que recebe, o Sírio-Libanês assumiu, em 2018, a missão de treinar uma centena de hospitais públicos brasileiros para desafogar pronto-socorros.
A epidemia de covid-19 complicou o desafio. A equipe foi incumbida pelo Ministério da Saúde de preparar essas instituições e outras dezenas de hospitais em todas as regiões do Brasil para responder ao crescimento acentuado da demanda previsto para as próximas semanas. Como fazer isso?
Médicos no container
Cada hospital tenta adaptar as diretrizes do Lean nas Emergências à sua própria realidade. Em São Leopoldo, município da região metropolitana de Porto Alegre (RS), a enfermeira Jéssica da Silva Pinto coordena a emergência da Fundação Hospital Centenário.
Na instituição de 157 leitos, 40 foram reservados para pacientes de covid-19. Desses 40 leitos, dez têm respiradores. Até a terça-feira (7), o hospital havia registrado apenas um caso confirmado de infecção pelo coronavírus. O paciente foi transferido em estado grave para o Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
"Uma das grandes estratégias trazida pelo pessoal do Lean nas Emergências foi a criação de uma triagem avançada (feita em uma tenda fora do prédio do hospital)", diz Jéssica. Técnicos de enfermagem e voluntários abordam os pacientes antes da entrada no hospital.
Eles são avaliados pelos médicos dentro de um container. De lá, voltam para a casa com medicação ou seguem para a emergência exclusiva para casos suspeitos de covid-19.
"Isso ajuda a organizar o fluxo de doentes e reduz o risco de infecção de outros pacientes", afirma Jéssica. A equipe sabe que, apesar da organização adotada para adequar o serviço, os esforços não serão suficientes para atender a demanda.
Fique em casa
"Estamos preparados, mas ansiosos. O que será que está por vir?", pergunta a enfermeira. Os profissionais fizeram vídeos para pedir à população que fique em casa.
"Eu me preocupo com a equipe das nossas emergências. Temos materiais de proteção individual, mas eles têm medo de transmitir o vírus a seus filhos ou pais idosos. Alguns até saíram de casa. Fico com o coração na mão", afirma Jéssica .
Medicina de guerra
O ponto de partida do Plano de Resposta Hospitalar ao Covid-19, do Ministério da Saúde, vem da medicina de guerra. Um conjunto de estratégias para ajudar os hospitais, de forma planejada, a ampliar sua capacidade de atendimento em até 20%.
Um hospital de 400 leitos, por exemplo, passaria a funcionar com 480. "Antes de buscar recursos externos, como hospital de campanha, é preciso ajudar as instituições a atingir a capacidade máxima que elas podem ter", diz Cordeiro.
De acordo com o plano, os hospitais estão sendo orientados a criar um gabinete de crise (comando que passa por cima de todas as contra-ordens que podem existir em um hospital) e a atribuir, de forma clara, novos papeis aos profissionais durante a crise.
Parece simples, mas não é
"Se um hospital tem 20 leitos de recuperação pós-anestésica e as cirurgias eletivas foram adiadas, essa área pode virar uma UTI adicional e os anestesistas ficam responsáveis pela ventilação mecânica desses pacientes", diz Cordeiro.
Essa reorganização parece simples, mas não é. "Os hospitais não sabem nem como começar a montar um comitê de crise", afirma Vânia. Em um momento de crise é importante que todos saibam quem lidera, quem é o comunicador do grupo, quem cuida dos suprimentos, quem faz o censo diário etc.
"Os hospitais não têm essa organização, mas ela é fundamental para enfrentar a epidemia", diz Vânia. Para ela, é hora de mesclar as equipes. Ou seja: treinar alguém que estava na área de imagem, por exemplo, para lidar com paciente de covid-19.
"Se não fizermos isso agora, quando a epidemia atingir o pico os profissionais da linha de frente vão estar esgotados e os substitutos não terão preparação suficiente. Isso será uma tragédia anunciada", afirma Vânia.
Hora do desabafo
Todos os dias, durante a crise, o líder tem que sentar com a equipe e deixar que as pessoas desabafem. Esse momento, chamado de "debriefing", é uma das estratégias recomendadas no plano do Ministério da Saúde. "As pessoas vão estar estressadas e serão obrigadas a tomar decisões difíceis o tempo todo. O líder tem que saber ouvir", diz Cordeiro.
E quando faltar respirador?
Conversar pode aliviar o stress, mas não resolve falta de respirador, o recurso mais nobre nesta epidemia. A crise na Itália se acentuou no momento em que não havia mais ventilação mecânica e equipes de saúde (que acabaram infectadas, esgotadas ou afastadas).
"Essa é uma situação extrema, na qual é preciso escolher qual paciente deve ter a chance de ir para o ventilador e qual vai apenas receber morfina", diz Cordeiro. "Se chegarmos a esse ponto, as equipes terão que fazer escolhas difíceis. E haverá muitas perdas".
Em São Leopoldo, a enfermeira Jéssica afirma que, para quem faz plantão nas emergências brasileiras, esse tipo de escolha se faz necessária em alguns momentos.
Com a covid-19 será diferente? "Não queremos que aconteça o pior, mas estamos nos preparando para ele".
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