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Cristiane Segatto

Aos 40, Alessandra usava fralda. Como o tratamento em equipe mudou sua vida

Cristiane Segatto

15/01/2020 04h00

Uma selfie feita no escritório logo depois de receber o tão aguardado telefonema é o registro instantâneo da gangorra emocional vivida pela coordenadora administrativa Alessandra Baptista, 46 anos, nos últimos seis anos. Na imagem, os olhos vermelhos e o choro maldisfarçado em contraste com o sorriso possível para o momento.

Alessandra Baptista no escritório, no Rio, em março de 2017, logo depois de saber que o plano de saúde custearia seu tratamento com um medicamento de alto custo (Foto: Arquivo pessoal/ UOL VivaBem)

"Estava em prantos, mas naquela hora era de felicidade e esperança", diz Alessandra. "Fiz a foto para dar logo a notícia à minha mãe". Minutos antes, em março de 2017, ela soube que o plano de saúde havia liberado o uso da medicação de alto custo que devolveria a ela uma vida com qualidade. Era março de 2017.

Desde janeiro de 2014, a carioca vinha sofrendo de retocolite ulcerativa, uma doença autoimune que acomete o intestino grosso. É considerada uma condição multissistêmica porque pode causar dores na coluna e nas articulações (mãos, joelhos etc), problemas oculares e de pele, entre outros.

A descoberta

Um dia depois do aniversário da filha única, Alessandra começou a ter diarréia e dores fortes no baixo ventre. Achou que tivesse comido alguma coisa que não caiu bem. Uma semana depois, surgiram sangramentos. Começaria ali a peregrinação de médico em médico (clínico geral, proctologista, gastroenterologista etc) até chegar ao diagnóstico. A cada consulta, uma suspeita e uma prescrição diferente.

Quando ficou claro que o problema era a retocolite, os médicos passaram dois anos tentando tratá-la com medicamentos que não traziam alívio e provocavam reações indesejadas. Mesalazina, sulfasalazina, altas doses de corticóides: nada melhorava a situação de Alessandra. O inchaço provocado pelos remédios fez com que ela ganhasse 14 kg.

Nessa fase, um médico resolveu tentar o imunossupressor azatioprina. "Tomava o remédio e passava muito mal. Vomitava ou ficava enjoada o dia inteiro. Não tinha mais vontade de ir a festas porque não podia comer nada. Minha vida era um desespero, minha autoestima foi para o espaço", diz ela.

Alessandra, em abril de 2017, durante a primeira infusão do medicamento infliximabe. "Apesar dos efeitos colaterais, seguimos em frente. Desistir? Jamais", diz ela. (Foto: Arquivo pessoal/UOL VivaBem)

Fraldas no escritório

Alessandra trabalha no departamento financeiro de uma empresa de terceirização de mão de obra no Rio. Escolher o que vestir não era fácil. No calor, ela precisava encontrar roupas que não deixassem evidente a fralda geriátrica que era obrigada a usar aos 40 anos de idade.

— Cheguei a ir ao banheiro 15 vezes ao dia. Para conseguir trabalhar, levava pacotes de fralda ao escritório. Uma vez evacuei em plena Copacabana, na saída de uma consulta. Por sorte, estava perto da casa da minha cunhada. Tomei um banho, peguei uma roupa emprestada e voltei ao trabalho. Aquilo não era vida.

Trabalho em equipe

Por uma rede social, uma amiga indicou outra médica, especialista em doenças intestinais, que atendia pelo plano de saúde. Nessa fase, Alessandra vinha sentindo também fortes dores articulares. "Não tinha qualidade de vida e, por isso, resolvi tentar".

A médica receitou o infliximabe, um medicamento biológico de alto custo. O tratamento foi autorizado pelo plano de saúde e iniciado em abril de 2017, pouco depois do telefonema que fez Alessandra chorar no trabalho.

Além das infusões da droga, ela passou a ser acompanhada por diferentes especialistas em um mesmo endereço: o Núcleo de Autoimunidade (NAI) do Amil Espaço Saúde da Tijuca. "Há uma demanda enorme por identificação e tratamento adequado de doenças autoimunes. Em geral, os pacientes ficam rodando de médico em médico sem sucesso. É preciso ter uma equipe multidisciplinar com um conhecimento mais específico. É o que eles encontram aqui", diz o reumatologista Rodrigo Gaudio.

Corpo e mente

Nas primeiras infusões, Alessandra teve queda de cabelo e urticária. Seis meses depois, uma constipação que rendeu cinco dias de hospital. E, para completar, fortes dores articulares. Ao discutir o caso de dela, os diferentes especialistas do NAI chegaram a um consenso: era preciso encurtar o intervalo entre as doses do remédio.

No casamento de uma prima, em novembro de 2017, dias depois de ter saído da internação. Inchada e usando fraldas, Alessandra não conseguia comer. "Aprendi a sorrir mesmo estando esmigalhada por dentro", diz ela. (Foto: Arquivo pessoal/UOL VivaBem)

"Quinze dias antes de cada infusão, era como se a minha bateria acabasse. Voltavam a fadiga e as dores no corpo. Caminhava 30 metros e parecia que tinha corrido uma maratona", conta Alessandra. "A doença afeta todo o corpo. Se a gente não consegue encontrar a estabilidade, ele definha".

No núcleo, Alessandra foi aconselhada a passar pela psicoterapia. "O estresse tem um papel importante no agravamento da doença autoimune. Com acompanhamento psicológico, os pacientes desenvolvem mecanismos psíquicos protetores. O controle da doença costuma ser melhor do que nos estressados que não conseguem organizar a vida", diz o reumatologista Gaudio.

Passeio no Parque Lage, no bairro do Jardim Botânico, em setembro do ano passado. "Plena e feliz", diz Alessandra. (Foto: Arquivo pessoal/UOL VivaBem)

Alessandra concorda. "A psicoterapia me fez perceber que tudo pode melhorar, já está melhorando, e nós estamos ali para que isso aconteça", diz ela. A qualidade de vida começou a se materializar. Hoje não há grandes restrições alimentares ou sustos provocados por sangramentos."Essa doença não vai me vencer". Alessandra voltou a ir à praia e a usar a roupa que quiser. Fraldas ela só vê quando vai à farmácia.

Sobre a autora

Cristiane Segatto é jornalista e mestre em gestão em saúde pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP). Durante as últimas duas décadas, cobriu saúde e ciência na Revista Época e nos jornais O Globo e Estadão. Foi colunista da Época online e comentarista da Rádio CBN. Suas reportagens especiais sobre o universo da saúde conquistaram mais de 15 prêmios nacionais e internacionais. Entre eles, dois prêmios Esso de Jornalismo na Categoria Informação Científica, Tecnológica ou Ambiental. Em 2012, com a reportagem “O paciente de R$ 800 mil” e, em 2014, com o trabalho investigativo “O lado oculto das contas de hospital”, ambos publicados na Revista Época. Em 2015, foi finalista do Prêmio Gabriel García Márquez. Participa de projetos liderados por organizações e pessoas que acreditam no valor da informação precisa e das histórias bem contadas.

Sobre o blog

Desde que o mundo é mundo, temos a necessidade de ouvir, contar e compartilhar histórias. A missão deste blog é garimpar pequenas pérolas, histórias miúdas (mas nunca banais) no rico universo da saúde. Grandes dilemas cotidianos, casos surpreendentes de cooperação, aceitação (ou superação) de limites, exemplos de solidariedade, pequenos oásis de sanidade em meio ao caos. Este espaço abrigará as boas notícias, que comovem ou inspiram, mas não só elas. Teremos olhos e ouvidos para capturar e analisar as coisas que não vão bem. Tentaremos, sempre, transformar confusão em clareza. Nada disso faz sentido sem você, leitor. Alguma sugestão de história ou abordagem? Envie pela caixa de comentários ou por email (segatto.jornalismo@gmail.com) e dê vida a esse blog.