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Cristiane Segatto

Como será o Natal dos gêmeos que ganharam corações novos em 2019

Cristiane Segatto

22/12/2019 04h00

Benjamim e Enzo (em foto de julho de 2018) são um caso inédito. Eles nasceram com a mesma doença, apresentaram sintomas simultaneamente e foram inscritos na fila do transplante de coração (Foto: Arquivo pessoal/UOL VivaBem)

Nos últimos dias, a maranhense Mila Miranda Costa, 36 anos, caprichou nos bordados. O novo ofício ela aprendeu na associação Casa do Coração (ACTC), em São Paulo, durante os meses em que esperou por algo próximo do impossível: a doação de dois corações para seus filhos gêmeos.

E não é que, em 2019, o extraordinário aconteceu? Em um ano difícil para a maioria dos brasileiros, a família encontrou fortes razões para agradecer e comemorar. Não só um, mas os dois irmãos conseguiram passar por um transplante cardíaco. "Recebemos uma enxurrada de bençãos", diz Mila.

O primeiro dos irmãos a encontrar um doador foi Enzo. Em março, tive a rara oportunidade de acompanhar o transplante no centro cirúrgico do Instituto do Coração (InCor) e de revelar a história dos gêmeos de 2 anos, com exclusividade, aqui no UOL VivaBem. O relato completo marcou a estreia deste blog.

Os cirurgiões Luiz Fernando Caneo (à esq.) e Raquel Massoti preparam o novo coração, pouco antes de colocá-lo no peito do bebê Enzo. (Foto: Cristiane Segatto/UOL VivaBem)

A doença

Em um caso inédito na história do InCor e sem registro semelhante no Brasil, os gêmeos nasceram com a mesma doença, desenvolveram sintomas simultaneamente e foram inscritos  na fila do transplante.

Chamada de cardiomiopatia dilatada, a doença enfraquece o músculo cardíaco. O coração perde a capacidade de bombear o sangue adequadamente.

Sem oxigênio e nutrientes circulando pelo organismo, os bebês sofriam com falta de ar, cansaço e dificuldades de ganho de peso. Quando a doença se agrava, o transplante é o último recurso.

Os gêmeos (em foto recente) visitam a escolinha onde a família pretende colocá-los no ano que vem (Foto: Arquivo pessoal/UOL VivaBem)

Os sapecas

Depois de dois meses de recuperação no hospital, Enzo voltou para casa. Maio foi um mês difícil para a família. Enquanto ele começava a redescobrir um corpinho sem limitações, Benjamim seguia o caminho inverso. Cada dia mais pálido e sem fôlego para correr atrás do irmão.

Metade de Mila se alegrava com os progressos de Enzo. A outra metade sofria com a decadência de Benjamim. Até que, em agosto, o telefone tocou. Havia surgido um doador. Pela segunda vez, a família seria contemplada. O transplante, realizado pela equipe do cirurgião Marcelo Jatene, foi um sucesso.

Passados os primeiros meses de recuperação, o que se ouve na casa de Mila é a farra dos dois sapecas. Os irmãos correm, brincam, brigam e disputam a atenção dos adultos. Estão aprendendo as primeiras palavras e, no ano que vem, a família pretende matriculá-los em uma escolinha na mesma rua.

O Natal

Este é o primeiro Natal que os gêmeos passam com saúde. Na família católica, a celebração será completa. "Antes da ceia, vamos à Santa Missa", diz Mila. A árvore de Natal foi uma descoberta para os meninos. Mila colocava uma bolinha, Enzo tirava outra. Benjamim revirava o pisca-pisca e o Papai Noel. No meio da bagunça, ele dava sinais de que será o mais falante.

Enzo e a árvore de Natal que ajudou a decorar (Foto: Arquivo pessoal/UOL VivaBem)

A família que saiu de Imperatriz, no Maranhão, para tentar salvar os filhos em São Paulo, decidiu morar na cidade para estar perto do InCor e seguir cumprindo o acompanhamento médico que os gêmeos precisarão receber nos próximos anos. "A equipe do hospital é uma família para nós. O que conhecemos ali foi muito além do profissionalismo", diz Mila.

Benjamim e a árvore. Depois do transplante, ele se recuperou mais rápido que o irmão (Foto: Arquivo pessoal/UOL VivaBem)

A gratidão        

Os bordados que ela aprendeu a fazer durante a temporada em que morou na Casa do Coração viraram fonte de renda. Em 2020, Mila pretende vendê-los em um ateliê. Por enquanto, a vitrine dos produtos é o Instagram.

Reprodução de um dos bordados feitos por Mila (Foto: Arquivo pessoal/UOL VivaBem)

Em vermelho sangue, ela bordou cinco mãos. Duas pequeninas e, ao redor delas, outras duas maiores. Embaixo, como suporte de tudo, há outra mão. É a de Maria, mãe de Mila, que largou tudo em Imperatriz para cuidar da filha e dos netos em São Paulo. Um apoio incondicional, sem o qual esta história poderia ter sido outra. Em cada uma das mãos, bate um coração.

A família representada no bordado de Mila (Foto: Arquivo pessoal/UOL VivaBem)

A maior delas é a do eletricista Deivid, pai dos gêmeos. Ele mandou trazer o carro do Maranhão para se virar em São Paulo como motorista de aplicativo. Guiado pelo Waze, se aventura pela cidade desconhecida que soube acolher a família.

"Nós, que tínhamos tanto medo de São Paulo, vimos aqui uma rede de solidariedade se formar ao nosso redor", diz a mãe dos gêmeos.

Mila e Benjamim no InCor, em março, dias depois do transplante de Enzo (Foto: Cristiane Segatto/UOL VivaBem)

A gratidão de Mila também é minha. Muito obrigada a todos que, nos últimos nove meses, ajudaram este blog a respirar. Sou muito grata pela audiência, pelos comentários, críticas, sugestões e parcerias ilimitadas que me permitiram contar dezenas de histórias. Desejo a todos uma vida boa e plena, cheia de paz e saúde. Boas festas e até 2020.

Sobre a autora

Cristiane Segatto é jornalista e mestre em gestão em saúde pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP). Durante as últimas duas décadas, cobriu saúde e ciência na Revista Época e nos jornais O Globo e Estadão. Foi colunista da Época online e comentarista da Rádio CBN. Suas reportagens especiais sobre o universo da saúde conquistaram mais de 15 prêmios nacionais e internacionais. Entre eles, dois prêmios Esso de Jornalismo na Categoria Informação Científica, Tecnológica ou Ambiental. Em 2012, com a reportagem “O paciente de R$ 800 mil” e, em 2014, com o trabalho investigativo “O lado oculto das contas de hospital”, ambos publicados na Revista Época. Em 2015, foi finalista do Prêmio Gabriel García Márquez. Participa de projetos liderados por organizações e pessoas que acreditam no valor da informação precisa e das histórias bem contadas.

Sobre o blog

Desde que o mundo é mundo, temos a necessidade de ouvir, contar e compartilhar histórias. A missão deste blog é garimpar pequenas pérolas, histórias miúdas (mas nunca banais) no rico universo da saúde. Grandes dilemas cotidianos, casos surpreendentes de cooperação, aceitação (ou superação) de limites, exemplos de solidariedade, pequenos oásis de sanidade em meio ao caos. Este espaço abrigará as boas notícias, que comovem ou inspiram, mas não só elas. Teremos olhos e ouvidos para capturar e analisar as coisas que não vão bem. Tentaremos, sempre, transformar confusão em clareza. Nada disso faz sentido sem você, leitor. Alguma sugestão de história ou abordagem? Envie pela caixa de comentários ou por email (segatto.jornalismo@gmail.com) e dê vida a esse blog.