"Meu filho não enxerga, não fala e não anda, mas tem belos sorrisos"
Sempre que o aniversário do filho Pedro se aproxima, a fotógrafa Mara Garcia se sente especialmente emotiva. Nesses momentos, ela escreve:
"Desde que você nasceu, vivemos universos paralelos. Eu me permiti entrar no seu mundo e dessa permissão me alimento. Ah, Pedrinho, seu mundo é tão diferente, quase atemporal. O meu passa tão rápido. Corro, corro e mal consigo alcançar. E, quando te olho na cama, você dorme ali, sereno. Ouço o respirador, sinto sua paz, me tranquilizo, desacelero. Pronto, neste instante, entrei no seu mundo".
No mundo de Pedro, que sofre de paralisia cerebral, a comunicação se dá por meio do sorriso. É o termômetro que permite à família deduzir se ele está confortável, tranquilo ou, quem sabe, até feliz.
No último domingo, quando o rapaz completou 22 anos, a mãe, o irmão Bruno e os amigos cercaram a cama cheia de aparelhos para cantar parabéns. Nada esperavam, mas ganharam tudo. Pedro sorriu e até gargalhou.
"Ele é um bebê gigante que gosta de carinho e de contato físico. Não sei o quanto entende, mas sorri", diz Mara.
Cor-de-rosa
Pedro nasceu com uma síndrome rara, chamada de Sturge-Weber. Ela causa calcificação cerebral e convulsões de difícil controle. Uma das características é o hemangioma (marca de nascença formada pelo excesso de vasos sanguíneos) no rosto. No caso de Pedro, as manchas se estendem por vastas áreas do corpo. "Meu filho é cor-de-rosa", diz Mara, com aquele tom de voz de quem vê poesia em tudo.
Até os seis meses de idade, o bebê enxergava e comia, mas tinha até 20 convulsões em apenas 24 horas. A cada dia de crises, começava a perder alguma coisa: visão, movimentos, chance de vir a falar no futuro.
Foi preciso submetê-lo a cirurgias radicais na tentativa de melhorar seu quadro neurológico. Mara parou de trabalhar e passou um ano com Pedro no hospital. Nesse período, ele sobreviveu à remoção do hemisfério esquerdo do cérebro, a múltiplos procedimentos e a uma grave infecção (sepse).
"Ele saiu do hospital todo equipado. Só respira por aparelho, não se vira na cama, não segura objetos e se alimenta por meio de gastrostomia", diz a mãe. "Entrei em um mundo estrangeiro e precisei aprender tudo."
A vida no home care
Pedro vive em internação domiciliar há 21 anos. Quando o plano de saúde o transferiu do hospital para casa, ninguém sabia direito o que era home care. Mara precisou aprender a parte técnica sobre os cilindros, as redes e todos os equipamentos necessários para manter um paciente bem cuidado durante tanto tempo.
Sabe colocar os parâmetros nos equipamentos, trocar a traqueostomia e fazer ventilação manual em caso de emergência – como no blecaute de 1999, quando as baterias se exauriram e Pedro quase morreu.
"Precisei aprender a cuidar de tudo porque, se algo der errado na ausência de um médico, o meu filho pode deixar de respirar". Pedro recebe visitas periódicas de enfermeiro, médico e nutricionista. Auxiliares de enfermagem se revezam para atendê-lo durante as 24 horas do dia.
Segundo profissionais de saúde que conhecem a história da família, o zelo de Mara na rotina de cuidados tem contribuído para que o rapaz não sofra de complicações comuns em pacientes dependentes. A última infecção grave ocorreu há 11 anos.
Mara criou uma cartilha de tradução dos sinais emitidos pelo filho quando quer se virar na cama, por exemplo. É uma forma de orientar os novos profissionais.
Como Pedro não se dá bem com dietas indrustrializadas, ela prepara diariamente o leite, os sucos e as sopinhas que o filho recebe por meio de uma sonda. Em uma das vezes em que foi tampar o líquido ainda quente, a espuma formou um coração.
Mara enxergou poesia. Era a "sopa feita com amor".
Ninguém é supermãe
Um desafio constante para as mães de filhos totalmente dependentes é não ser abduzida pelo papel de cuidadora em tempo integral. Como não cair na armadilha de anular a própria individualidade?
"Houve momentos em que achei que fosse desmoronar. Não me sentia produtiva profissionalmente e sabia que eu não poderia ser só mãe do Pedro. Achei que eu precisava me esforçar para sair um pouco, fazer um curso, e voltar", diz.
Foi assim que Mara descobriu a fotografia e fez dela uma nova profissão. "Sempre gostei de escrever e de me encantar com a literatura e com a imagem", conta.
"Na hora da dor e da impotência é importante carregar a poesia com a gente. Ter uma visão poética das coisas, não como uma ilusão, mas como um sustento para sobreviver aos abismos".
Amor de irmão
A harmonia familiar construída ao redor de Pedro é resultado, também, do amor de Bruno, o irmão mais velho. Quando era criança, o economista de 30 anos beijava a barriga da mãe e agradecia pelo irmãozinho que ia chegar.
Assim que Pedro nasceu, com as manchas vermelhas pelo corpo, Bruno disse que o amava da mesma forma. Cheio de orgulho, convidou os amiguinhos para conhecê-lo. Muitas e muitas vezes se enfiou em um jaleco de adulto e entrou na UTI, tropeçando nas extremidades e ansioso para ver o irmão.
Acostumado, desde sempre, a ajudar nos cuidados de Pedro, perguntou em um dos aniversários da infância: "Mãe, será que a gente não pode bater o bolo no liquidificador para ele experimentar?". Não podia, mas a festa seguiu existindo. Ano após ano.
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