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Cristiane Segatto

Escritório sem janela? A luz do outono é linda e você precisa dela

Cristiane Segatto

10/04/2019 04h00

Crédito: iStock

Quando desenha uma casa, qualquer criança sabe o que é essencial. Começa pelo quadrado que simboliza as paredes, traça as linhas da porta e capricha na janela. Às vezes, escolhe uma daquelas antigas, de madeira, que se abrem completamente para fora e deixam o mundo entrar.

Gosto de janelas desse tipo. Verdadeiramente janelas. Aberturas que trazem luz natural, brisa, sons da cidade, cheiros, estímulos sensoriais que melhoram o fluxo de ideias e aumentam a minha sensação de bem-estar.

É com dor no coração, portanto, que observo a ausência de janelas em vários dos espaços corporativos por onde circulo. Janelas (mesmo as de vidro, vedadas de alto a baixo) viraram artigos de luxo.

Cadê a luz natural?

Assim que entro nesses ambientes, meus olhos percorrem o espaço em busca de luz natural. É instintivo. O que vejo, em grande parte dos escritórios moderninhos, são dezenas de pessoas trabalhando coladas umas às outras, em mesas acomodadas no miolo dos andares.

A promessa dos tais "open spaces" é promover a integração das equipes. Na prática, cada indivíduo se torna uma ilha cercada de paredes até onde a vista alcança – e com fones enterrados nos ouvidos e iluminação feérica sobre o computador. Paredes coloridas, com frases motivacionais, mas, ainda assim, paredes.

Em alguns escritórios, as janelas do edifício ficam dentro de salas de reunião. Se o funcionário não tem reunião, passa a jornada sem ver o dia. Sem saber se chove ou faz calor. Sem aproveitar um pouco da felicidade contida em um feixe de luz natural.

Recentemente, visitei as novas instalações de uma empresa em que várias pessoas trabalhavam sem contato visual com o mundo exterior. Ao passar pela pequena copa, senti um bem-estar imediato ao notar uma placa de vidro no teto, por onde a luz entrava.

"O pessoal adora fazer reunião aqui. É onde as pessoas querem estar", comentou a chefe.

Sem sair da bolha

A luz natural é uma necessidade humana. Daí a minha aflição ao observar tanta gente imersa em longos turnos sem sol, nem lua. Isso não pode dar certo.

"É comum que as empresas comprem andares inteiros em edifícios corporativos cuja iluminação natural é garantida por meio de uma grande parede de vidro do piso ao teto", diz o arquiteto Adhemar Dizioli Fernandes, diretor de projetos e obras da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. "O problema é a compartimentação que a empresa escolhe depois. Muitas vezes, isso faz com que a maioria trabalhe numa bolha (sem saber se é dia ou noite), enquanto só alguns privilegiados recebem luz natural".

Essas escolhas seguem na contramão do que acontece nos hospitais, onde a consciência de que a luz natural melhora a qualidade de vida, humaniza os ambientes e ajuda na recuperação tem feito com que as instituições adotem janelas até mesmo nas unidades de terapia intensiva (UTI´s) e nas salas de cirurgia.

O bem-estar que vem do sol

A exposição à luz solar no local de trabalho está associada ao sono mais prolongado e com mais qualidade, segundo um estudo publicado no Journal of Clinical Sleep Medicine. Durante a pesquisa realizada pelas universidades norte-americanas Northwstern Medicine e Illinois, 49 trabalhadores foram avaliados (27 em escritórios sem luz natural e 22 com janelas).

Os profissionais que trabalhavam junto a uma janela dormiram, em média, 46 minutos a mais por noite do que os funcionários sem acesso à luz natural durante o expediente.

Os pesquisadores concluíram, também, que os participantes mais expostos à luz solar praticaram mais atividade física e relataram ter mais qualidade de vida.

Segundo Phyllis Zee, um dos autores do estudo, as evidências apontam que a exposição à luz natural, principalmente durante a manhã, melhora o humor, o estado de alerta e o metabolismo.

Não perca a luz do outono 

A esta altura, é possível que você esteja se perguntando quem é a lunática que resolveu se preocupar com janelas em um país de 13 milhões de desempregados. Acho que uma coisa não exclui a outra: queremos trabalho e queremos qualidade de vida.

Se o mundo corporativo decretou que as janelas são desnecessárias (em nome do corte de gastos, da reorganização dos espaços, da integração das equipes…), não desista de colocar um pouco de luz natural na sua vida. Qual é a dose diária que você merece?

Sempre é possível aproveitar um pouco de sol ao caminhar até um ponto de ônibus mais longe de casa, por exemplo. Ou escapar para as áreas externas na hora do almoço ou do intervalo. Ou agarrar o laptop e trabalhar do lado de fora. Há sempre um jeito de melhorar as coisas. Basta observar o que agride a nossa própria natureza.

Ter uma janela para chamar de sua é hoje um prêmio sem valor monetário. Um agrado para um corpo que, todos os dias, faz por merecer. Nos dias sem chuva, aproveite a luz do outono. Ela é linda.

Sobre a autora

Cristiane Segatto é jornalista e mestre em gestão em saúde pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP). Durante as últimas duas décadas, cobriu saúde e ciência na Revista Época e nos jornais O Globo e Estadão. Foi colunista da Época online e comentarista da Rádio CBN. Suas reportagens especiais sobre o universo da saúde conquistaram mais de 15 prêmios nacionais e internacionais. Entre eles, dois prêmios Esso de Jornalismo na Categoria Informação Científica, Tecnológica ou Ambiental. Em 2012, com a reportagem “O paciente de R$ 800 mil” e, em 2014, com o trabalho investigativo “O lado oculto das contas de hospital”, ambos publicados na Revista Época. Em 2015, foi finalista do Prêmio Gabriel García Márquez. Participa de projetos liderados por organizações e pessoas que acreditam no valor da informação precisa e das histórias bem contadas.

Sobre o blog

Desde que o mundo é mundo, temos a necessidade de ouvir, contar e compartilhar histórias. A missão deste blog é garimpar pequenas pérolas, histórias miúdas (mas nunca banais) no rico universo da saúde. Grandes dilemas cotidianos, casos surpreendentes de cooperação, aceitação (ou superação) de limites, exemplos de solidariedade, pequenos oásis de sanidade em meio ao caos. Este espaço abrigará as boas notícias, que comovem ou inspiram, mas não só elas. Teremos olhos e ouvidos para capturar e analisar as coisas que não vão bem. Tentaremos, sempre, transformar confusão em clareza. Nada disso faz sentido sem você, leitor. Alguma sugestão de história ou abordagem? Envie pela caixa de comentários ou por email (segatto.jornalismo@gmail.com) e dê vida a esse blog.